sexta-feira, 17 de outubro de 2008

O que seria da vida se não fossem as memórias?

Há dias estou pensando e repensando, revendo às páginas da minha história com os livros. Este exercício me fez perceber a enorme lacuna que existe na minha vida de leitora, pois há livros imprescindíveis que ainda não tive como acariciá-los, ou melhor, não tive o prazer de percorrer por suas ruas e becos. Na profissão que escolhi, a leitura é fundamental e como amo ler e adoro lecionar, transformo tudo isso num prazer a parte. Sinto apenas falta dos livros que ainda não li, mas que em breve lerei.


Evocar as lembranças é essencial, pois só conseguimos arquivar lembranças de situações que foram vividas intensamente. E é assim que me sinto ao recordar os meus primeiros passos no mundo das palavras. Era muito pequenina quando minha mãe contava histórias da bíblia, de forma tão fantástica, que me transportava no tempo e no espaço, sentia-me percorrendo as ruas daquelas cidades, pisando nas pegadas daquelas personagens.


Não me lembro das histórias que contavam nos meus primeiros anos de escola, talvez por que não contassem mesmo, ou porque o único livro devíamos ler era a Cartilha Caminho Suave, adotado pela escola. Mas, minha tia, muito ligada em leitura, presenteava-nos, constantemente com livros e discos de histórias, lembro-me de várias histórias fantásticas: Alice no País das Maravilhas, Os Cisnes Selvagens, Pele de Asno, entre outras.


Algumas histórias eram proibidas em minha casa, o programa de rádio Histórias que o Povo Conta, era um dessas narrativas proibidas, pois o locutor, com uma voz cavernosa, narrava contos de terror, superstição e suspense, mas eu e meus irmãos ouvíamos às escondidas. Algumas dessas histórias ficaram marcadas para sempre. Talvez por isso, eu lia muito Stephen King, na minha adolescência. A sensação de ler algo proibido e que causava medo e terror era inexplicável. Somente depois de adulta, descobri o motivo da proibição: minha mãe sofrera muito na infância, pois os adultos utilizavam essas histórias de terror para dominar a mente das crianças e isso fez com ela tomasse a decisão de não criar os filhos sob a premissa do medo, daí ela abominava essas histórias.


Outra grande influência de leitura na minha vida foi a convivência com o meu pai, que lia histórias todas as tardes, além disso, ele era mais que um contador de histórias nato, era um criador de histórias a causos. O filme que sempre me lembra meu pai é Peixe Grande, com todo o universo fantástico presente nas histórias engendradas pelo personagem.


Na escola, das minhas séries iniciais, tinha uma biblioteca e, já na quarta série, pegava alguns livros, apesar de não me lembro de incentivo das professoras, gostava de ler e meu irmão mais velho lia sem parar, eu seguia-lhe os passos.


Fui me consolidar como leitora de fato, no ano que reprovei a sexta série, do Ensino Fundamental, a escola tinha uma biblioteca imensa, era uma escola de Ensino Médio, e lá me fartava de ler, nos horários das aulas desinteressantes. Foi a essa época que devorei toda a coleção vaga-lume e suas várias histórias, lia em média dois livros por semana. Quando terminei os livros infanto-juvenis, iniciei a leitura de outros mais densos, foi aí que conheci Macunaíma, A Hora da Estrela, A Mão e Luva, O Alienista, e tantos outros que não conseguia compreender muito bem, mas lia assim mesmo. Talvez tenha nascido aí a minha aversão por Iracema e suas imensas descrições, as quais somente fui compreender no Ensino Superior.


Minha experiência mais marcantes com os livros foi no Ensino Médio, cursava Escola Normal e tive excelentes professores em todas as áreas, mas nunca hei de me esquecer dos meus professores de Língua Portuguesa Orivaldo Melo e Fernando Moura, pois eles abriram as portas para vôos mais altos, foi lá que conheci Albert Camus com o Estrangeiro, ouvir falar pela primeira vez em Balzac, de forma tão fantástica que sentia vontade de ler-lhe as obras, João Guimarães Rosa foi aí, que relendo Clarice Lispector e Mário de Andrade, pude perceber a grandiosidade dessas obras.


Daí, para escolher o curso de Letras foi só um pequeno passo. E já no ensino superior sinto-me tentada a destacar a professora Eva, pois foi ela quem me incutiu o amor por poesias, até então era encantada com a prosa, mas não tinha muita aproximação com lírico, pois achava tudo muito meloso. Quando a professora de Teoria Literária apresentou, na segunda aula, o texto A Mulher e a Casa de João Cabral, percebi que daquele dia em diante minha relação com a poesia se tornaria bem mais próxima.


Outra pessoa chave na minha vida de leitora foi a professora Lívila, ela falava com tanta paixão de cada texto literário que apresentava em sala, que não pude deixar de comprar, por exemplo, toda a coleção de Machado de Assis, pois não bastava ler, era preciso ter sempre a mão. Além disso, comecei a entender melhor Clarice Lispector e passei a amá-la ainda mais.


O mestrado me fez ler ainda mais, esse momento foi fundamental para me colocar frente a frente com as obras que não conhecia ou que não tinha coragem de encarar, como Ana Karenina de Tolstoi ou Irmãos Karamazov e Crime e Castigo de Dostoievski, toda a mitologia Greco-Romana, mitologias de outros povos, a literatura fantástica e várias outras obras que, a partir daí, comecei a escarafunchar.


Este curso tem apenas reforçado a necessidade da leitura constante, além do domínio das teorias, saber dedicar-se a um bom livro literário é de capital importância, pois como diz Edgar Morin em sua obra Os sete Saberes Indispensáveis à Educação do Futuro, somente teremos acesso à compreensão humana a partir da leitura do texto literário, pois é lá que se encontram projetadas as grandes lutas existenciais dos seres humanos.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Raízes do Brasil - Sérgio Buarque de Holanda

A obra Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda é um texto que trata da formação cultural do povo brasileiro. Inicia-se com uma exposição da formação do povo da península ibérica, apresentando aspectos culturais que são importantes para a percepção da identidade de nosso colonizador. Segundo o autor, o povo português se difere do povo espanhol por ser este ladrilhador e aquele semeador, ou seja, enquanto um planeja o seu espaço, o outro apenas o ocupa à revelia, pois o interesse aventureiro acaba por fazer do improviso a marca mais forte da colonização portuguesa. Ao traçar o perfil do povo português em contraposição ao povo espanhol, já delimita elementos formadores de nossa cultura e nossa língua. É importante trabalhar esses aspectos como base de formação do estudante de língua portuguesa, pois a consciência de identidade é fundamental para a ação cidadã, aquela que valoriza o homem não como o indivíduo dissociado, mas como sujeito com todas as características a ele inerentes. Destarte, entender os fundamentos da educação, economia e percepções lingüísticas desde a formação do nosso país é um fato que deve ser relevante nas discussões das aulas de língua portuguesa. A obra apresenta um panorama histórico desde antes da chegada dos portugueses no Brasil e coloca em grande relevo o papel dos alentejanos na formação da identidade nacional, chega a afirmar que os desbravadores de outros países europeus, como foi o caso dos holandeses, pouca influência tiveram na formação cultural do brasileiro, essa análise nos levou a pensar a fusão cultural ocorrida no Brasil com três elementos apenas: o branco como sinônimo dos portugueses; o índio, sem levar em conta a grande variedade de tribos e culturas aqui existentes; o negro, desprezando sua cultura de base. Apesar dessa exposição, sabermos que houve mais influências que essas, ate porque, houve uma série de influências culturais de outros povos, como é caso do sul do Brasil que tem uma formação cultural mais próxima dos emigrantes de outros países da Europa. Sérgio Buarque aponta vários traços marcantes da nossa cultura e apresenta as raízes desses comportamentos: o processo de construção de nossas cidades e a demora em povoar o interior do país, como característica de um colonizador que não tinha intenção de ampliar os limites de seu país, em decorrência da concepção de que as terras descobertas eram apenas um espaço a ser explorado; a idéia de que o trabalho manual tem menor prestígio, gerando uma sociedade, na qual a elite é composta por ociosos, que exploram a mão-de-obra dos menos favorecidos, sem valorizar adequadamente os serviços prestados; a demora em instalar universidades, ao contrário dos espanhóis em suas colônias, gerou no Brasil uma intelectualidade superficial e elitista; a economia a base dos grandes latifúndios, gerou uma cultura familiar, e uma mistura entre família e estado, o que vai favorecer o que, na obra, é denominado homem cordial, o qual tende mais para a acomodação e busca encontrar sempre uma forma de concordar, mesmo que os pensamentos sejam conflitantes, esta concepção deriva da idéia de que obediência é concordância plena e indiscutível, fato que favorece o estabelecimento das ditaduras. Outro aspecto ligado à cordialidade é a intimidade excessiva e falta de formalidade, fato comprovador é o uso de palavras no diminutivo, e a queda dos pronomes pessoais “Tu” e “Vós”, amplamente substituídos pelo pronome de tratamento “Você(s)”. Outro aspecto a ser destacado na obra é a formação da língua geral. Com a interiorização dos paulistas em busca de riquezas no interior da Colônia, houve um desligamento destes dos povos litorâneos, iniciando a formação de uma língua, que é uma mistura dos falares indígenas, espanhol e português, a qual será conhecida como língua geral paulista. Com a chegada de D. João com toda a sua corte, a percepção de que um novo idioma estava se formando, tornou-se mais forte. Daí, a necessidade de “unificação” da língua portuguesa a partir da imposição, fato que gerou inúmeros genocídios Brasil afora e criou a lenda de uma língua estática. Há um viés crítico na obra que apresenta vários problemas na formação da personalidade do brasileiro, assim como na identidade nacional, que, segundo o autor, foi forjada a partir da concepção da cordialidade e da improvisação, a partir do espírito aventureiro em contraposição ao espírito trabalhador. Fato esse que nutre, ainda hoje, condutas de favoritismo e pessoalidade nas relações de poder. De acordo com Sergio Buarque, somente haverá libertação e uma nova identidade nacional quando houver uma revolução de costumes e de concepções.